Eu organizava as peças do jogo da vida como se ensaiasse para um futuro distante. Não era apenas uma brincadeira, era uma chance de apalpar o poder adulto. Guiava meu carrinho com seriedade. A roleta e suas dez possibilidades eram as faces de um destino em números. Ela era incisiva em suas decisões, traçava idas e voltas e ensinava que andar nem sempre é para frente.
No jogo, aprendi que o sucesso está a uma casa do fracasso, que encher o carrinho com seis filhos e ser professor não é um bom negócio, melhor é ser médico e investir na bolsa de valores. O jogo não me dava a chance de realizar muitas escolhas, ele decidia qual seria a minha profissão e travava as alternativas amorosas. Passando em frente à igreja, o pininho azul tinha que entrar no carrinho rosa obrigatoriamente. O objetivo mais nobre era ser magnata. Se não fosse possível, o ganhador era simplesmente o mais rico ao final. Quem decretasse falência, deveria se retirar ao campo e virar filósofo (hã?).
Ainda guardo meu exemplar do jogo em uma caixa empoeirada. O tabuleiro colorido preserva as impressões digitais dos meus dedos pequenos. Lá estão meu primeiro carro, meus primeiros filhos e minha primeira casa.
Hoje, porém, eu jogo num tabuleiro diferente. De certa forma, decepciono a menina que ensaiava seus passos naquela trilha previamente desenhada. Não sou médica, nem advogada. Filhos, só uma. Nenhum cartão de riqueza, nem seguro do carro. Estou mais para filósofa do que para magnata. Prefiro o campo à cidade. Em comum entre o jogo antigo e a minha vida, estão as idas e vindas e algumas casas onde paro em função da sorte. No jogo atual, volta e meia decido onde estaciono meu carrinho. Sem ensaiar, sem a pretensão de ganhar e, principalmente, sem querer chegar ao final do tabuleiro.
Escrita em 2010.