Rezar como uma menina

blaArte: Rogério Weber Kirst

Eu queria escrever uma crônica sobre o ano novo, mas tudo o que eu sinto é tão velho quanto a humanidade. A única certeza que tenho sobre o porvir é a repetição dos sentimentos: medos, angústias, esperanças, alegrias.

Mudanças não são regidas por calendários ou astros. Elas partem de cada consciência, de cada cabeça posta em um travesseiro ao quase dormir. Para planejar a vida, é importante esquecer as agendas e abraçar a cama.

Afinal, os problemas jamais darão trégua — ao virar do calendário continuaremos expostos aos mesmos dramas. Em janeiro tomarão posse novos políticos de ultrapassado caráter. Alguém querido ficará chateado com um exame ruim. A violência de unhas grossas arranhará pessoas que nós amamos. Irritantemente, pessoas continuarão a julgar a bondade ou a maldade por grupos ou ideologias, esquecendo que estes comportamentos são individuais. As ruas e as redes serão usadas como instrumento de intolerância, de ofensa e de manipulação.

A literatura continuará em decadência, assim como o pensamento e as diversas artes. Nós veremos e ouviremos poucos cientistas, filósofos e intelectuais, pois na televisão e na Internet se sobressairão as celebridades vazias e nada talentosas. As guerras não findarão, nem o planeta respirará ares sem gás carbônico e metano.

Entretanto, este texto tão deprimido e castigado por um 2016 obscuro, ainda acredita na luz que pode ressurgir em cada criado mudo. Minha avó, a mais querida do planeta, sempre rezou muito por seus afetos ao pé da cama. Ao contrário do que já pensei, rezar não é apenas uma questão de fé, nem uma forma de terceirizar os consertos do mundo.

Rezar é amor puro, é refletir sobre o que enfrentam aqueles com quem nos importamos e ponderar se amanhã faremos algo a respeito. Rezar é revisitar as próprias posturas e pensar em mudanças de comportamento, em novas estratégias para o amanhecer. Os anos vão e vem, mas só dentro de nós decidimos se eles serão como ondas, que simplesmente estouram na margem.

Há formigas pequenas porém ativas neste mundo insano. As pessoas positivas, transformadoras, generosas, engajadas e opinativas (de modo respeitoso) quase não frequentam a mídia pois não rendem likes e cliques. Quero acreditar, procurar e copiar estes humanos que não acordam apenas para respirar, consumir e gerar lixo.

E voltando ao ano novo, em primeiro lugar porque todos nós sofremos em 2016, mas especialmente porque amo minha avó, minha única e verdadeira resolução para 2017 é voltar a rezar como quando eu era menina.

Janeiro de 2017

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