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No último mês de outubro, enquanto distraídos discutíamos os mais recentes e não derradeiros casos de corrupção, o relatório Every Last Girl, da organização Save The Children foi divulgado ao mundo e chegou ao Brasil como uma carta incômoda.
O documento coloca o país entre os piores cinquenta do mundo para se nascer mulher, entre cento e quarenta e quatro analisados. Entre as causas estão os altos números de casamentos infantis e de meninas grávidas na adolescência.
O Brasil ficou atrás de países como o Paquistão, o mesmo da não mais menina Malala, e próximo ao Haiti, o qual conhecemos por suas fragilidades econômicas e sociais. Eu recebi a notícia com espanto, olhei para minha filha e tomei o cuidado de somente pensar: este não é o país que eu imaginei para você. Bem, esta foi a minha primeira reação. Logo conto a segunda.
Ano de 2014. Uma conhecida conta-me sobre uma vizinha adolescente, grávida pela segunda vez enquanto ainda amamenta o primeiro filho. Está atônita por causa do diálogo que teve com a jovem, aliviada por não precisar estudar e trabalhar.
Ano de 2015. Uma amiga recebe a visita de uma mulher que passa de porta em porta oferecendo uma criança ainda no seu ventre. A mãe é adolescente e consumidora de drogas, quer entregar o filho no dia do parto pois não almeja ser mãe (talvez nem entenda a dimensão do fato).
As duas histórias são verdadeiras e têm em comum o cenário dos bairros marginalizados, cercados por todos os tipos de problemas sociais e estruturais. Vivemos rodeados destas realidades, nem sempre visíveis, mas no mínimo audíveis através de vozes muito próximas. Se não percebemos, é porque nos acostumamos ou nos protegemos em nossa rotina.
Minha segunda reação foi justamente refletir e entender que o resultado do relatório não é tão espantoso. Nosso país está há muito tempo distante das condições educacionais, estruturais e econômicas necessárias para que todas as meninas cresçam em altura e propósito com réguas idênticas. Uma gravidez ou casamento precoces, que infelizmente são portas para a violência doméstica, a dependência financeira e outros problemas, ainda são para muitas adolescentes os únicos futuros possíveis ou vislumbrados.
Antes que o mundo nos avisasse, deveríamos ter cuidado de nossas meninas. Prefiro pensar que ainda é possível, que pequenas ações afetam crianças próximas ou não de nossas casas. Afinal, é cansativo esperarmos em vão por governos imbuídos de seus projetos de poder, ocupados de seus processos judiciais e conluios.
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Se você ficou curioso a respeito do relatório da organização Save the Children:
http://www.savethechildren.org.uk/resources/online-library/every-last-girl