As seis e vinte da manhã o ar é um grande bocejo. Além de um gato negro, poucos se aventuram na rua: o tio do tênis Nike, os dois caras de mochila que conversam sílabas, o sujeito de fone de ouvido e cara aborrecida, o entregador de jornais e eventualmente Jorge, que parece violento, mas desde que vive na rua, é a única vítima dos próprios berros.
Em meio a quase poesia das cores matinais, entre o canto de um bem te vi e a resposta de outro, observo os cuidadores de idosos saindo de algumas casas. Este é definitivamente o horário das trocas de turno. Nestas residências há pouco movimento e seus moradores são como vizinhos misteriosos. Inusitadamente, numa dessas manhãs, uma senhora de cabelos brancos espiava por sua vidraça o movimento da rua. Fixou em mim por alguns instantes seu olhar sério.
Enquanto giro em ponteiros inquietos, pergunto-me o que fazem ela e os outros idosos do bairro? O que pensam e o que almejam enquanto sonho com um tempo livre? Sinto um abismo entre quem sai para trabalhar e os que ficam sozinhos e por vezes enfastiados em seus alpendres. Será que aprendemos como poderíamos com quem já percorreu nossos caminhos? Essas grandes cidades, inventadas para andarmos enlouquecidos de um lado a outro, parecem segregar sistematicamente as crianças, os adultos e os idosos ao longo do dia. É utópico e talvez seja efeito do sono da manhã, mas imagino meu bairro com todas as portas abertas. Assim como era (ou fantasio que era) o bairro da minha infância.
Ao lado da minha casa mora uma outra senhora que costuma sentar numa agradável varanda ao entardecer. No inverno não a vejo, mas no verão ela abana cada vez que passo ali. Eu sempre a cumprimentava e falava algumas palavras, até que um dia ela sinalizou que não conseguia ouvir. Mantive os gestos e percebi a irrelevância das palavras. Sem que exista qualquer história passada entre nós, seu sorriso simpático e significativo é claramente necessário para mim. Sinto sua falta no inverno e este sentimento humaniza a calçada por onde devo prosseguir.
Lindo texto! É tão vivo que dá pra se sentir parte da caminhada matinal…
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