
Você tem um ano e três meses. É um ser humano carinhoso e sorridente. Aliás, o poeta Manoel de Barros (um dia lhe apresento) foi quem me ensinou: as crianças sabem mais das importâncias da vida.
É intrigante pensar que nós, quando ainda em formação neurológica, parecemos melhores. Desculpe o pessimismo, mas por aqui, no lado dos adultos, vivemos um dia triste. Queria arrumar o mundo antes de você fazer dezoito, mas sei que sozinha não poderia eliminar os antônimos dos abraços que você gosta de dar. No seu universo, ainda não existem palavras que machucam os ouvidos, como terrorismo, violência e guerra, mas elas são reais e estão ali no jornal que você recém rabiscou.
Talvez no futuro, talvez em alguma aula de filosofia, você questione: “Por que a maldade existe?”. Eu olho para seus olhos, totalmente vivos, receptivos às belezas que só as crianças percebem e pergunto-me: em qual momento de nossas vidas perdemos a leveza, a simples capacidade de existirmos em meio a natureza? Um dia lhe direi que “somos tão importantes quanto aquela formiga”, embora eu saiba que tentarão lhe ensinar que somos superiores. A busca por uma grandeza ilusória, seja ela financeira, religiosa ou política, alimenta a maior parte da estupidez existente no ser humano.
Você crescerá e verá pessoas infelizes enquanto um sol morno as abraça. Verá óculos escuros conduzindo rostos em círculos, enquanto um sentido lhes acena. Nem sei se estarei perto quando você entender a dimensão de uma tragédia fora da televisão, tampouco quando você ouvir histórias absurdas sobre desgraças supostamente comandadas por deuses.
Na escola, seus professores apresentarão o cérebro humano como uma ferramenta magnífica, capaz de reger a pintura de um quadro ou a execução de uma música. Mas hoje, especialmente hoje, eu não posso lhe mostrar um mundo saturado de artistas, apenas um “museu de grandes novidades” repetidas nos noticiários. Se existem deuses, penso que eles deveriam ter seu rosto ao acordar e não o de um homem bomba.
Vários sites dizem que a sua geração vai mudar o mundo: crianças espertas e iluminadas. Não quero que você carregue este peso. Pelo contrário, quero que os adultos de hoje olhem para crianças como você e simplesmente freiem o terror.
Desculpe o desabafo, a realidade por vezes rasga a poesia do Manoel e rouba-nos o tempo de brincar.
Crônica escrita em Novembro de 2015.
{Em novembro de 2015 atentados terroristas foram notícia enquanto Cecília arriscava suas primeiras palavras e seus passos ganhavam firmeza. Mais de 180 pessoas morreram devido a um ataque no dia 13 de novembro de 2015 em Paris. Pouco tempo depois, em janeiro de 2016, ocorreu um atentado em Burkina Fasso, na África, com 26 mortos. Enquanto isso, a guerra na Síria, que se arrasta desde 2011, espalhava (e ainda espalha) refugiados pelo mundo e seguia fazendo vítimas inocentes como crianças da idade de Cecília}.
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