Fora do Pódio

Publicada no Jornal Zero Hora em 15/06/2017

Quando a corrupção corre na frente, todos perdem a maratona. As figuras dos ramos político ou empresarial, envolvidas em escândalos, parecem argutas, mas ao passo que engrossam fortunas, submetem seus próprios descendentes à persistência no terceiro mundo. Por mais privilégios que possam ter, os familiares dos corruptíveis, vez ou outra, colocam o nariz na civilização e estão sujeitos aos mesmos problemas que os demais (com exceção dos que mudam para o Exterior).

 

Já se vão algumas décadas em que governos de diversas ideologias perderam a oportunidade de mudar este país e levá-lo para outro patamar de desenvolvimento. Basta visitarmos escolas ou hospitais públicos para verificarmos que o salto necessário não foi dado. É avassalador pensar que existia capacidade financeira para isso, vide as verbas impressionantes do BNDES destinadas às propinas.

 

Por isso, fico confusa ao ouvir impetuosas justificações a respeito da conduta de diversos personagens públicos envolvidos nos escândalos atuais. Sem a pretensão de julgar a simpatia por determinados partidos ou figuras políticas, apenas me sinto chateada ao perceber que certos debates ainda comparam as proporções dos desvios, como se alguma escala de imoralidade fosse relevante ou salvasse alguém no cenário. Ainda mais frustrante é perceber que muitas pessoas desejam o retorno de políticos já denunciados, como se a renovação política não fosse uma necessidade urgente.

 

Neste contexto, observo que são perspicazes as observações ou teorias elaboradas sobre os interesses envolvidos nas manifestações, nos movimentos que organizam protestos, nas diferentes mídias. Entretanto, a incoerência facilmente contamina os discursos quando há defesa de algum lado. Fatos recentes demonstram que o poder e o dinheiro se sobrepuseram a quaisquer ideologias.

 

Deveríamos nos unir em favor de causas, como a educação. Infelizmente, no Brasil desta década, ao defendermos partidos, movimentos ou até pessoas, arriscamos contribuir para a perpetuação de projetos de poder. E continuamos fora do pódio.

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Uma carta incômoda

Image courtesy of Phaitoon at FreeDigitalPhotos.net

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No último mês de outubro, enquanto distraídos discutíamos os mais recentes e não derradeiros casos de corrupção, o relatório Every Last Girl, da organização Save The Children foi divulgado ao mundo e chegou ao Brasil como uma carta incômoda.

O documento coloca o país entre os piores cinquenta do mundo para se nascer mulher, entre cento e quarenta e quatro analisados. Entre as causas estão os altos números de casamentos infantis e de meninas grávidas na adolescência.

O Brasil ficou atrás de países como o Paquistão, o mesmo da não mais menina Malala, e próximo ao Haiti, o qual conhecemos por suas fragilidades econômicas e sociais. Eu recebi a notícia com espanto, olhei para minha filha e tomei o cuidado de somente pensar: este não é o país que eu imaginei para você. Bem, esta foi a minha primeira reação. Logo conto a segunda.

Ano de 2014. Uma conhecida conta-me sobre uma vizinha adolescente, grávida pela segunda vez enquanto ainda amamenta o primeiro filho. Está atônita por causa do diálogo que teve com a jovem, aliviada por não precisar estudar e trabalhar.

Ano de 2015. Uma amiga recebe a visita de uma mulher que passa de porta em porta oferecendo uma criança ainda no seu ventre. A mãe é adolescente e consumidora de drogas, quer entregar o filho no dia do parto pois não almeja ser mãe (talvez nem entenda a dimensão do fato).

As duas histórias são verdadeiras e têm em comum o cenário dos bairros marginalizados, cercados por todos os tipos de problemas sociais e estruturais. Vivemos rodeados destas realidades, nem sempre visíveis, mas no mínimo audíveis através de vozes muito próximas. Se não percebemos, é porque nos acostumamos ou nos protegemos em nossa rotina.

Minha segunda reação foi justamente refletir e entender que o resultado do relatório não é tão espantoso. Nosso país está há muito tempo distante das condições educacionais, estruturais e econômicas necessárias para que todas as meninas cresçam em altura e propósito com réguas idênticas. Uma gravidez ou casamento precoces, que infelizmente são portas para a violência doméstica, a dependência financeira e outros problemas, ainda são para muitas adolescentes os únicos futuros possíveis ou vislumbrados.

Antes que o mundo nos avisasse, deveríamos ter cuidado de nossas meninas. Prefiro pensar que ainda é possível, que pequenas ações afetam crianças próximas ou não de nossas casas. Afinal, é cansativo esperarmos em vão por governos imbuídos de seus projetos de poder, ocupados de seus processos judiciais e conluios.

 Se você ficou curioso a respeito do relatório da organização Save the Children:

http://www.savethechildren.org.uk/resources/online-library/every-last-girl