Arte: Rogério Weber Kirst
Minha pequenina, de nada sabemos.
O mundo lá fora anda e desanda, grita e cala. Os ponteiros ficam tontos e os dias repetem seus amanheceres e poentes.
Eu até poderia lhe mostrar a vida além das esquadrias, mas o mundo passaria por nossos olhos apressado, como uma paisagem distorcida na janela de um trem.
Ainda é cedo. Nossos momentos são mais vagarosos que os relógios. Nossos segundos são apenas malabares: os jogamos para cima, para baixo ou simplesmente os ignoramos.
Nenhum tempo ousaria contar a duração de nossos olhares — absolutos e nada matemáticos.
Enquanto dormimos, notícias pouco ou nada importantes correm da esquerda para a direita nos jornais. A mesma pressa que vira as páginas logo as esquece.
Estamos escondidas e talvez a salvo das coisas que os homens inventam para se ocuparem: as tarifas, as lâmpadas dos postes dormentes, os condomínio fechados (cercados) e os cardápios dos almoços. Não dançamos coreografias e nem sequer lemos as cartas que aqui chegam.
Só notamos o acercar da noite pela insistência dos bocejos. Curamos a fome porque ela reclama com vozes grossas.
Quando eu não era sua mãe, eu soprava as nuvens para que não chovesse e andava descalça para entender os caminhos (os pés as vezes doíam). O mundo balançava em minha bolsa e pesava mais do que seus bracinhos quando lhe embalo.
Meu passo era firme e apressado e, mesmo assim, minhas pernas nunca chegavam — o destino era tão distante que eu remava barcos de madrugada.
Ah, o longe…Por enquanto o meu colo lhe basta, mas sei que um dia esta tarde lenta de malabares será apenas uma lembrança. Você vai acelerar, sair e carregar o mundo em sua mochila. E eu, de braços curtos, embalarei nossas memórias e regarei seus caminhos em pensamento para que ele não machuque seus pés.
Crônica escrita em outubro de 2014. Publicada em Outubro de 2016.
{Em outubro de 2014, Cecília tinha um mês de vida. Luzes e cores cansavam seus olhos. Ela dormia quarenta e cinco minutos a cada três horas. No mesmo mês, na televisão, candidatos a presidência do país falavam uma língua que não entendíamos. }