Colares de sol tardio

Foto: acervo pessoal

Falavam, mas eu não percebia a luz do outono tão flava. As dezoito horas as árvores vestem colares de sol tardio. Eu emoldurava as estações do ano com fotografias de outrem, usava símbolos como as folhas secas de um plátano. Nem sequer notava que o ar de abril, além de refrescar vigas e pilares, é capaz de infiltrar na pele cheiros agudos de cascas e brisas.

De repente, fechei os olhos (somente os do rosto) e escutei a dança da paineira: galhos d’água embalados no vento. Há marulhos no quintal.

Não sei se foi a meditação ou o medo de perder o próximo outono, mas meus sentidos espicharam como adolescentes.

Eu fiz com minha filha um bolo de cenoura, cujo cheiro inundou a vida inteira. Da mesma forma, uma risada matinal do meu bebê tornou-se o amuleto contra a escuridão de todas as madrugadas.

Há “esta beleza insuportável da coisa inteiramente viva”, tão bem escrita por Caio Fernando Abreu e tenho chorado ao pensar em quem não irá mais senti-la; ou pior, em quem não consegue suporta-la e seguirá dopando sua existência com quaisquer artifícios.

Estamos tristes num mundo belo. Acendo velas de otimismo, limpo vidros para enxergar horizontes, rezo como quem só sabe pedir, mas as pernas já não aceitam passos tão curtos. Agora que o espelho finalmente mostrou-me alguns cabelos brancos, agora que estou pronta, que enfim percebo os poentes, preciso caminhar.

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